Brasao TCE TRIBUNAL DE CONTAS DO ESTADO DO TOCANTINS
GABINETE DA 2ª RELATORIA

   

11. VOTO Nº 194/2021-RELT2

11.1. DA ADMISSIBILIDADE E DO PROCESSAMENTO

11.1.1. Para o regular conhecimento e processamento dos recursos no âmbito deste Sodalício, faz-se necessária a apreciação dos pressupostos de admissibilidade, dentre eles, o cabimento da espécie recursal, a legitimidade e o interesse dos recorrentes e a tempestividade do recurso.

11.1.2. In casu, infere-se que a modalidade de recurso utilizada se mostra adequada, pois o Acórdão recorrido é decorrente de matéria apreciada por Câmara Julgadora, sendo cabível, portanto, recurso ordinário, em conformidade com o art. 46 da Lei nº 1.284/2001. Ademais, a peça recursal preenche os requisitos de tempestividade e legitimidade, motivo pelo qual conheço do recurso em apreciação.

 

11.2. DO MÉRITO

 

Recebido o recurso como próprio e tempestivo, passo ao exame da matéria de mérito, apresentando a seguir a análise dos fundamentos arguidos pelos recorrentes:

 

11.2.1. A imputação do débito se refere a todo o combustível utilizado na Secretária de Educação do ano de 2016, materiais adquiridos para a Secretária no ano de 2016.

 

11.2.1.2. Os recorrentes aduzem que todo o combustível pago com recurso da Educação foi consumido visando o desenvolvimento do ensino municipal, não havendo que se falar em ressarcimento. Acrescentam ainda, que a frota de veículo que realiza o transporte escolar não é composta de 7 veículos próprios, mas de 8, havendo uma rota não indicada, além de existirem mais duas rotas.

11.2.1.3. Alegam que a diferença de rota diz respeito ao fato dos técnicos terem analisado na época uma rota fracionada (Araguaia I e II), sendo que em 2016 a rota era única, Araguaia, com mais do que o dobro de alunos e a rota CODETINS ter sido amplificada em virtude de na época terem mais 6 alunos, o que fazia aumentar o trajeto.

11.2.1.4.Argumentam também que no relatório técnico não foram relacionados os sábados letivos, que aumentam o consumo e por fim, acrescentam que deveriam ser computados os gastos com gasolina de 07 (sete) diretoras de escolas e de 14 (catorze) professores.

11.2.1.5. Não obstante as alegações apresentadas pelos recorrentes, não houve nenhum documento juntado aos autos que comprove as afirmações. Não foram juntadas notas fiscais ou empenhos das despesas realizadas com combustíveis, sequer foi feita uma memória de cálculo básica, indicando a quantidade de veículos, com o consumo médio diário pela quilometragem rodada e a comparação com os anos anteriores.

11.2.1.6. Logo, depreende-se que as condutas penalizadas não tratam somente da “ausência de controle efetivo do gasto de combustível por veículo/máquina” como afirmam os recorrentes. ” As irregularidades conduziram a uma imputação de débito pela ausência total de comprovação das despesas realizadas e da prestação do serviço. Não há nos autos principais, nem no presente recurso ordinário, como aferir o real consumo de combustíveis.

11.2.1.7. Os Recorrentes limitam-se a alegar que “todos os serviços relacionados foram efetivamente prestados e as mercadorias regularmente entregues, não se apontando, por esta razão, desvio de recursos públicos”, mas não conseguem provar no processo a realização dessas despesas, bem como a entrega efetiva dos serviços.

11.2.1.8. Ante ao exposto, tal argumento não merece acolhida, e recomendo aos responsáveis que efetue estudo prévio quando da compra de combustíveis para evitar novas estimativas acima daquilo que o órgão efetivamente vai utilizar.

 

11.2.2. A pena indicada no Relatório de Auditoria foge ao Princípio da Razoabilidade:

 

11.2.2.1. Os recorrentes afirmam que não houve razoabilidade na aplicação das penalidades no Acórdão 754/2019- TCE/TO. Contudo, cabia a eles evidenciar que todo o combustível adquirido para o transporte escolar fora devidamente utilizado, por meio da juntada das notas fiscais, controles de abastecimentos dos veículos, e demais documentos, comprovando assim a ausência de excesso.

11.2.2.2. Contudo, os recorrentes não justificaram suas alegações, cujo ônus lhe competia, nos termos das decisões do Tribunal de Contas da União (TCU), in verbis:

Constitui ônus do gestor a produção das evidências necessárias para comprovar o adequado uso dos recursos públicos que lhe foram confiados, não cabendo ao TCU realizar diligência para a obtenção de provas em favor do gestor. (Acórdão 8560/2012-Segunda Câmara. Relator: JOSÉ JORGE. Julgado em 13/11/2012.).

Não cabe ao TCU produzir provas, organizar informações, realizar perícias ou adotar qualquer medida tendente a revelar o nexo de causalidade entre recursos transferidos e despesas efetuadas, pois compete ao gestor comprovar a boa e regular aplicação dos recursos públicos federais(Acórdão 3623/2015-Primeira Câmara. Relator: JOSÉ MUCIO MONTEIRO. Julgado em 16/06/2015.).

É obrigação do ordenador de despesa ressarcir o erário dos prejuízos a que tenha dado causa por ação ou omissão no cumprimento da lei ou das normas do direito financeiro. É responsabilidade pessoal do gestor a comprovação do bom e regular emprego dos valores públicos que, nessa condição, tenha recebido, cabendo-lhe, em consequência, o ônus da prova (Acórdão 1194/2009-Primeira Câmara. Relator: VALMIR CAMPELO. Julgado em 24/03/2009.).

 

11.2.2.3. A equipe técnica constatou que os gastos foram realizados sem a demonstração do consumo efetivo realizado. Os recorrentes tão somente dizem que houve imputação de débito fora dos parâmetros da razoabilidade, sem, contudo, apresentar qualquer comprovação do efetivo uso dos combustíveis adquiridos.

11.2.2.4. Não juntaram aos autos documentos comprobatórios como edital, contratos,  controles de abastecimento dos veículos, etc, a fim de evidenciar o real uso do produtos adquirido com recursos públicos.

11.2.2.5. Os gestores públicos, que administram a res publica, têm o dever/obrigação de prestar contas dessa gestão. E essa obrigação é materializada exatamente mediante a apresentação de contas ao órgão a quem a Constituição atribuiu a relevante função de examinar e julgar a regularidade da gestão. Quanto à definição do termo prestação de contas, ressalta-se que guarda correlação com a palavra inglesa accountability, “representando a obrigação legal e ética que tem o governante de informar como utiliza os recursos que lhe foram entregues pelo povo para empregá-los em benefício da sociedade e não em proveito próprio”[1]

11.2.2.6. Nesse sentido, o parágrafo único do art. 70 da Constituição Federal determina que:

Art. 70 (...) Parágrafo único. Prestará contas qualquer pessoa física ou jurídica, pública ou privada, que utilize, arrecade, guarde, gerencie ou administre dinheiros, bens e valores públicos ou pelos quais a União responda, ou que, em nome desta, assuma obrigações de natureza pecuniária. (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 19, de 1998).

 

11.2.2.7. Assim, forçoso é reconhecer que, nos processos submetidos aos Tribunais de Contas na forma de processos de contas (ordinárias ou especiais), por imperativo constitucional, compete ao gestor o ônus de comprovar a boa e regular aplicação dos recursos por ele geridos.

11.2.2.8. O mestre Hely Lopes Meirelles, ensina que a prestação de contas é um “dever indeclinável de todo administrador público”:

 

O dever de prestar contas é decorrência natural da administração como encargo de gestão de bens e interesses alheios. Se ao administrador corresponde o desempenho de um mandato de zelo e conservação de bens e interesses de outrem, manifesto é que quem o exerce deverá contas ao proprietário. No caso do administrador público, esse dever ainda mais se alteia, porque a gestão se refere aos bens e interesses da coletividade e se assume o caráter de um múnus público, isto é, de um encargo para com a comunidade. Daí o dever indeclinável de todo administrador público – agente político ou simples funcionário – de prestar contas de sua gestão administrativa, e nesse sentido é a orientação de nossos Tribunais.[2]

 

11.2.2.9. Desta forma, nos processos de contas ocorre espécie de inversão do ônus da prova, tendo em vista que, para julgarem as contas dos responsáveis irregulares e lhes aplicar as sanções oriundas desse julgamento, os Tribunais de Contas não têm que provar que os recursos públicos foram mal aplicados ou desviados, embora na grande maioria das vezes esse fato fique efetivamente demonstrado. O gestor é que deverá comprovar que utilizou os recursos de maneira adequada e eficiente.

11.2.2.10. Com efeito, desde a Decisão 225/2000-2ª Câmara o TCU deixou assento que:

 

A não-comprovação da lisura no trato de recursos públicos recebidos autoriza, a meu ver, a presunção de irregularidade na sua aplicação. Ressalto que o ônus da prova da idoneidade no emprego dos recursos, no âmbito administrativo, recai sobre o gestor, obrigando-se este a comprovar que os mesmos foram regularmente aplicados quando da realização do interesse público. Aliás, a jurisprudência deste Tribunal consolidou tal entendimento no Enunciado de Decisão 176, verbis: "Compete ao gestor comprovar a boa e regular aplicação dos recursos públicos, cabendo-lhe o ônus da prova". Há que se destacar, ainda, que, além do dever legal e constitucional de prestar contas do bom e regular emprego dos recursos públicos recebidos, devem os gestores fazêlo demonstrando o estabelecimento do nexo entre o desembolso dos referidos recursos e os comprovantes de despesas realizadas com vistas à consecução do objeto acordado. Assim, é imperioso que, com os documentos apresentados com vistas a comprovar o bom emprego dos valores públicos, seja possível constatar que eles foram efetivamente utilizados no objeto pactuado, de acordo com os normativos legais e regulamentares vigentes. (grifos nossos)

 

11.2.2.11. No mesmo sentido entendeu o Supremo Tribunal Federal, em decisão proferida no Mandado de Segurança - MS 20.335/DF, de 12/10/1982, da Relatoria do Ministro Moreira Alves, nos seguintes termos:

 

Mandado de Segurança contra o Tribunal de Contas da União. Contas julgadas irregulares. Aplicação da multa prevista no artigo 53 do Decreto-Lei 199/67. - A multa prevista no artigo 53 do Decreto-Lei 199/67 não tem natureza de sanção disciplinar. - Improcedência das alegações relativas a cerceamento de defesa. - Em Direito Financeiro, cabe ao ordenador de despesas provar que não é responsável pelas infrações, que lhe são imputadas, das leis e regulamentos na aplicação do dinheiro público. - Coincidência, ao contrário do que foi alegado, entre a acusação e a condenação no tocante à irregularidade da licitação. - Mandado de Segurança indeferido. (grifos nossos)

 

11.2.2.12. Do exposto, dessume-se que, por força do disposto no parágrafo único do art. 70 da Constituição, combinado com as prescrições do art. 93 do Decreto-Lei 200/1967 cabe ao gestor comprovar a boa e regular aplicação dos recursos públicos. Em verdade, o detentor do ônus é quem tem interesse em cumpri-lo, de modo a não sofrer as consequências de sua omissão.[3]

11.2.2.13. Assim sendo, até prova em contrário, que não foi apresentada nos autos deste recurso, deve ser mantido o cálculo elaborado pela equipe técnica (autos da auditoria sob nº 13.813/2016, evento 2, anexo IX), que embasaram a decisão proferida no Acordão 754/2019 (autos 1557/2019).

 

12. Isso posto, acompanhando os Pareceres do Corpo Especial de Auditores e do Ministério Público de Contas, e considerando a fundamentação supra, com fulcro no que dispõem os artigos 1º, inciso XVII, e 47, §2º, da Lei Estadual nº 1.284/2001 c/c o artigo 294, inciso V, do Regimento Interno do TCE, VOTO no sentido de que este Tribunal acate as providências abaixo relacionadas, adotando a decisão, sob a forma de Acórdão, que ora submeto ao Pleno:

12.1. Conhecer do Recurso Ordinário interposto pelos Srs. Wagner Coelho de Oliveira, gestor à época,  e Luis Carlos Alves do Nascimento, diretor de compras à época,  em desfavor do Acórdão nº 754/2019 – TCE/TO – 1ª Câmara, exarado no processo nº 1557/2019, no dia 03/12/2019, publicado no Boletim Oficial nº 2446,  eis que presentes os pressupostos de admissibilidade, para no mérito, negar provimento ao recurso, mantendo por seus próprios fundamentos, todos os termos e determinações da decisão sob comento, por meio da qual este Tribunal julgou irregulares as contas decorrentes da Tomada de Contas Especial, aberta para apurar apontamentos achados na Auditoria de Regularidade relativa ao período de janeiro a setembro de 2016, realizada na Prefeitura de Formoso do Araguaia-TO.

12.2. Determinar a publicação desta Decisão no Boletim Oficial deste Sodalício, nos termos do art. 27, caput, da Lei nº 1.284/2001 e do art. 341, § 3º, do RITCE/TO, para que surtam os efeitos legais necessários, inclusive para eventual interposição de recurso.

12.3. Determinar a cientificação, pelo meio processual adequado, dos recorrentes, dos termos do Relatório, Voto e Decisão.

12.4. Determinar o encaminhamento de cópia do Relatório, Voto e Decisão ao atual gestor para a adoção de medidas necessárias à correção dos procedimentos inadequados de modo a prevenir a ocorrência de outros semelhantes.

12.5. Dar Ciência ao Ministério Público de Contas, do teor da presente decisão.

12.6. Determinar o envio dos autos ao Cartório de Contas deste Tribunal para adoção das providências de sua alçada e, após, à Coordenadoria de Protocolo para providências de mister.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

[1] Prestação de Contas: Fundamentos da Democracia e Cidadania – Instituo Serzedello Corrêa, março, 2012

[2] MEIRELLES, Hely Lopes. Direito administrativo brasileiro, 25 ed., Malheiros, 2000, PP. 100-101.

[3][3] GONÇALVES, Marcus Vinicius Rios, Novo curso de direito processual civil. 2 ed., São Paulo: Saraiva, 2011, p. 413.

 

Documento assinado eletronicamente por:
ANDRE LUIZ DE MATOS GONCALVES, CONSELHEIRO (A), em 08/11/2021 às 18:05:40
, conforme art. 18, da Instrução Normativa TCE/TO Nº 01/2012.
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